quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Entrevista -Sandra Barata Belo


Sandra Barata Belo, a actriz escolhida para o papel da fadista, que é um dos símbolos do Portugal do século XX, agarrou o desafio de recriar décadas de uma vida incomum.
‘Amália – O Filme’ chega amanhã aos cinemas


- Como reagiu à primeira abordagem para fazer de Amália Rodrigues?

- Fiquei muito contente e curiosa porque disseram que andavam à procura da protagonista.
Pediram uma fotografia à minha agência para ir fazer o casting.
Pensei que já tinham actriz escolhida e estavam à procura para outros papéis.
E a minha agente disse: ‘Não, acho que estão mesmo à procura de uma Amália.’
Depois enviaram-me duas cenas do filme e dois playbacks.
Basicamente fiquei cinco dias fechada em casa a procurar no You Tube tudo o que havia com a Amália: mais velha, mais nova, a cantar, a dar entrevistas... E também a decorar e a ouvir repetidamente os dois fados que iria cantar: ‘Foi Deus’ e ‘Estranha Forma de Vida’.
Quando chegou o dia de ir fazer o casting estava pronta.

- Ficou com medo quando a escolheram para fazer de Amália Rodrigues?

- Senti que era uma grande responsabilidade porque ela ainda está muito presente e é adorada por todos.
E ia fazer uma Amália da adolescência até aos 64 anos, o que por si só já seria um grande desafio.

- O que descobriu sobre a fadista ao preparar-se para o papel?

- Não sabia que a Amália era tão existencialista, que arrastava sempre aquela tristeza.
Mas isso era uma contradição com a sua maneira de ser descontraída, com o ter sempre resposta para tudo e com um sentido de humor muito requintado.

- Fez muitas cenas em que a personagem vive uma grande tristeza. Esse sentimento acompanhava-a no final do dia de rodagem?

- Não. Tinha uma equipa fantástica que me soube ajudar. Às vezes acreditavam mais em mim do que eu própria e davam-me confiança.
Mas ficava muito cansada nos dias em que passava o tempo a chorar. Exausta. (risos) Nas cenas de Nova Iorque tinha de controlar muito para não arrancar a prótese [para simular o envelhecimento da fadista] que tinha no rosto.
Era um exercício à minha paciência. Tinha de representar alguém que está a um passo de desistir de tudo quando as próteses não me deixavam sentir as lágrimas na cara. Só me apetecia retirar aquela prótese.

- Alguma vez o desconforto da prótese chegou a converter-se em dor?

- Havia dias em que ficava cinco horas a ser caracterizada. Quando me levantava da cadeira estava pronta para me retirarem o que tinham acabado de pôr.
Foi doloroso mas não me podia queixar, pois sabia que para fazer esta personagem teria de passar por aquilo tudo.
Houve um dia em que fiquei mais de 12 horas com aquilo na cara e a minha pele é muito reactiva: se estou num sítio quente e a seguir vou para um local frio fico vermelha como um tomate.

- Acha que o filme vai alterar a forma como os portugueses vêem Amália Rodrigues?

- Vai ajudar a completar. O público conhece a Amália dos palcos e sabe uma ou outra coisa da vida dela, que até pode ser mentira.
Agora vão perceber porque é que ela cantava daquela maneira.
Por ter uma grande insatisfação, por questionar tudo e mais alguma coisa.

- Os espectadores vão ouvir os fados interpretados pela própria Amália.
Gostava que num futuro DVD aparecesse a sua interpretação?

- Não.

- Mas teve formação para poder cantar?

- Tive aulas de canto e acho que até me safei. Houve alguma evolução.
E mesmo antes tive várias vezes ‘workshops’ de voz. Mas neste caso a formação foi muito específica.
Foi para fazer de Amália, para os fados dela e para a forma particular de cantar o fado: muita tristeza, peito para cima e olhos no infinito.
Tive que perceber como é que ela fazia isto. E estou a cantar muito melhor.

- Sentiu alguma coisa especial nas cenas que foram filmadas na casa de Amália Rodrigues?

- A primeira vez que lá entrei foi muito especial. Ver os espaços onde tudo aquilo poderia ter acontecido...
Não era negativo, porque a Amália não era uma pessoa negativa. Era uma energia benéfica. Mas senti um peso.
Era como se tivesse de desviar o ar para poder passar porque a energia dela está lá. É inevitável. No dia das filmagens toda a equipa sentiu...

- A cama onde se deita no filme é aquela onde Amália dormia?

- É. (pausa) Foi um dos momentos mais difíceis.
Senti-me uma intrusa no quarto de Amália.
Senti que não tinha direito de estar ali e não gostava de ver as pessoas a andarem lá pela casa com cabos, máquinas e projectores.
Fez-me um bocadinho de confusão. Mas tinha de aproveitar todo esse incómodo e transpô-lo para a cena.

- Entre os vários interesses românticos da sua personagem elege algum?

- Acho que ela nunca soube o que era melhor para ela. Como é que eu vou saber?

- Tem alguma cena preferida?

- Muitas.

- Não destaca nenhuma?

- Cada idade tem a sua graça e eu fiz várias.
Cada uma tem a sua cena. Olho para as cenas como as mães olham para os filhos. Não consigo identificar uma predilecta.
Há algumas de que gosto menos mas não vale a pena dizer quais são.

- Se estivesse frente a frente com os familiares de Amália que tentaram impedir as filmagens e a estreia do filme com uma providência cautelar, o que lhes diria?

- Tentaria perceber se viram a Amália em mim.
O meu trabalho não foi escrever, foi recriá-la. Gostava que me dissessem os momentos em que viram mais a Amália e os momentos em que viram menos.








PERFIL

Sandra barata belo Estreia-se no cinema aos 30 anos com ‘Amália – O Filme’, mas já tem uma longa carreira como actriz.
A 'lisboeta de gema' pisou o palco pela primeira vez em 1996 e entrou na telenovela ‘Chiquititas’.

REALIZADOR QUER TER 400 MIL ESPECTADORES

Carlos Coelho da Silva espera ultrapassar os 400 mil espectadores conseguidos por ‘O Crime do Padre Amaro’, também realizado por si, com ‘Amália – O Filme’, que estreia amanhã em 72 cinemas.

Apesar da 'impiedosa realidade dos orçamentos' que levou Espinho a fazer de Copacabana – 'Foi o único sítio onde arranjámos calçada portuguesa junto ao mar e sem obstáculos', explica –, está satisfeito com o resultado e consegue imaginar-se como autor da primeira longa--metragem portuguesa nomeada para o Óscar de Melhor Filme Estrangeiro. 'Pode chegar aí.
Tem valores de produção e de representação, uma figura conhecida e a interpretação da Sandra', disse ao CM.

A escolha de Sandra Barata Belo, chamada para um casting tal como nove outras actrizes com 'potencial dramático e alguma parecença' com Amália Rodrigues, deveu-se inicialmente aos seus olhos.
'Percebi que a semelhança estava lá e principalmente no olhar distante e enigmático', explica o realizador.

in www.correiomanha.pt

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