segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Famoso chef “assustado” com mais recentes números e previsões - Jamie Oliver: o “ministro da comida” luta contra a obesidade



O que é que faz um chef de 33 anos, cabelo louro despenteado e cara de surfista atrevido, no meio dos deputados britânicos em Westminster?
Não, Jamie Oliver não está a pensar lançar-se na política - é o próprio que o garante, numa entrevista ao P2.
Quer apenas salvar os ingleses daquilo que vê como uma das maiores ameaças à saúde pública das últimas décadas: a obesidade.
E o que foi dizer aos deputados é que sabe o que está na origem do aumento de peso de tanta gente.
O problema é, simplesmente, não saberem cozinhar.

"Não estou interessado em ser político. O que me interessa é a comida. É aquilo que eu conheço e é nisso que sou bom", responde, numa conversa por e-mail.
"Estou a fazer esta campanha simplesmente porque quero melhorar a forma como as pessoas comem".

Jamie não é um chef qualquer.
Tornou-se, nos últimos anos, uma figura influente junto do Governo britânico - primeiro com a campanha para mudar as ementas dos almoços escolares, e agora com a tentativa, mais ambiciosa, de ensinar todos os britânicos a cozinhar.
Não foi pelos seus dotes culinários que mereceu honras de protagonista na secção Man in the News do “Financial Times”.
Foi porque, através da comida, quer mudar a sociedade.

Não é um acaso que o seu mais recente programa (já não tão recente como isso, porque entretanto começou a preparar um novo em que vai percorrer a América e descobrir a sua culinária, como já fez antes com a Itália) tenha o sugestivo nome de Ministry of Food - uma referência ao Ministério da Comida criado durante a II Guerra Mundial para ajudar as famílias britânicas a comer o melhor possível, apesar do racionamento de comida.

Desta vez, Jamie encaminhou-se - com toda a sua "máquina", câmaras, microfones, produtores, e todo o Carnaval que rodeia a gravação de um programa de televisão - para Rotherham, em South Yorkshire, e procurou um grupo de pessoas que não soubesse cozinhar nada. Não foi difícil.
Natasha, por exemplo, tornou-se imediatamente uma figura icónica do programa quando Jamie a mostrou a alimentar a filha de cinco anos com junk food, sentada no chão, todos os dias, apesar da criança estar a ficar com os dentes podres.

Mas, antes disso, Jamie procurou uma aliada muito importante (e outra figura inegavelmente mediática), uma mulher grande, de cabelo curto e loiro, e imensa energia, que ficou conhecida como "burger mum", e que foi uma das mães que, durante a campanha de Jamie para almoços escolares mais saudáveis, "empurrava hambúrgueres pelas grades da escola", segundo a descrição, muito visual, da imprensa britânica.

A "mãe hambúrguer"

Com a "burger mum" totalmente convertida à sua causa e ao seu charme de rapaz do povo, que cresceu e se apaixonou pela cozinha no pub The Cricketers, que os pais tinham em Essex, na "zona pouco glamorosa" a norte de Londres (a definição é do Financial Times), Jamie lançou-se então na tarefa de ensinar Natasha, um mineiro e mais alguns habitantes de Rotherham a cozinhar.

A ideia é simples, e baseia-se no esquema da pirâmide: cada oito pessoas que aprenderem a cozinhar ensinam outras oito, e, naquilo a que Jamie chamou Pass it on, passam receitas às outras, até todos serem cozinheiros de uma qualidade pelo menos sofrível.
O chef conseguiu pôr o mineiro, no meio de um estádio de futebol, a ensinar a outros dois homens uma receita que incluía um peito de frango, queijo, presunto e espargos. Também ensinou Natasha a cozinhar para a filha e ajudou Claire, que comia apenas batatas fritas e barras de chocolate e, acreditem ou não, não sabia sequer ferver água, a dominar os rudimentos da cozinha.
Além disso, abriu em Rotherham o primeiro do que espera que venham a ser (com futuro financiamento governamental) muitos centros alimentares, à semelhança dos criados pelo Ministério da Comida na II Guerra.
Trata-se de um local onde as pessoas podem ir aprender os princípios básicos da cozinha, pedir receitas, comprar ingredientes e, sobretudo, perceber como se pode comer bem quando o dinheiro é pouco.

Mas as críticas surgiram rapidamente.
O chef foi acusado de ter humilhado as pessoas de Rotherham, que foram mostradas ao país inteiro, e vão sê-lo ao mundo, quando o programa começar a ser transmitido noutros países (em Portugal os programas de Jamie Oliver têm passado na SIC Mulher) como incapazes de alimentar os próprios filhos.

E no estádio local, os fãs de futebol chamaram-lhe "sacana gordo", embora, como explica o Financial Times, "o incidente tenha permitido aos produtores do programa passar a ideia de que a cruzada de Jamie ia falhar", aumentando assim o suspense.

Jamie não se deixa impressionar com as críticas.
"Foram muito poucas as pessoas que se queixaram", diz ao P2, "e a maioria das que o fizeram mudaram de ideias ao fim de duas semanas. Os maiores protestos vieram de um político local, mas que era uma figura com pouco poder. Acho que basicamente ele queria aparecer nos jornais".

Uma das acusações era a de que a Câmara de Rotherham tinha entrado com dinheiro para o projecto, financiando assim, mesmo que indirectamente, o programa de televisão e toda a promoção em torno de Jamie, quando este tem dinheiro mais do que suficiente para o fazer. Ele nega veementemente: "Está a fazer confusão. O centro do Ministério da Comida em Rotherham foi essencialmente pago por mim, e agora que a câmara vê que está a ajudar a comunidade local, vai subsidiá-lo durante o próximo ano".
Mas, sublinha, "não há qualquer dinheiro público usado para fazer o programa de televisão".

Um ministro a sério?

Criado o centro em Rotherham e terminado o programa de televisão (mas não o projecto, que o chef quer alargar a todo o país), Jamie partiu para Westminster para explicar a sua tese aos deputados.
A obesidade tornou-se uma epidemia que já não é só um problema de classe, porque, diz, pela primeira vez na história, há um enorme número de pessoas, de todos os níveis sociais, que não sabe cozinhar. O problema não é o dinheiro, frisou, mas "a falta de conhecimento".

É preciso que as escolas ensinem as crianças a cozinhar (o tema já faz parte do currículo das escolas britânicas para jovens entre os 11 e os 14 anos, mas Jamie acha importante que se comece na primária) para combater a "incrivelmente profunda" crise provocada pela má nutrição.
Além disso, é preciso conter a indústria da “fast food “que leva as pessoas a comer de forma pouco saudável.

"Porque é que não existe um Ministério da Alimentação?", perguntou Jamie aos deputados. "Porque é que não temos uma pessoa que lidere isto durante os próximos dez anos?". Voltou, no entanto, a garantir que não estava a falar de si próprio - embora se tenha mostrado disponível para ajudar o Governo a encontrar um "czar da comida".

Os mais recentes números e previsões sobre a obesidade deixam-no "assustado", confessa ao P2. "No Reino Unido, o Serviço Nacional de Saúde já gasta mais dinheiro a tratar pessoas com doenças relacionadas com a alimentação do que com doenças provocadas pelo tabaco. Este é um problema que se está a agravar".

Um dos pontos em que mais insistiu com os deputados foi o de que esta não é uma epidemia das classes baixas. "Há muitos rapazes da City [o centro financeiro de Londres] que ganham - bem, costumavam ganhar - muito dinheiro, e que não sabem alimentar os filhos, nem com um cartão gold".

O que o choca é ver "uma geração de jovens pais" que não sabe cozinhar. "Neste que é o quinto país mais rico do mundo... há uma pobreza como nunca vi antes. Não tem a ver com ténis novos, telemóveis ou ecrãs de plasma - eles têm isso tudo. É a pobreza de serem incapazes de alimentar a família".

Será este um problema mais grave na Grã-Bretanha do que noutros países europeus? Será a relação dos britânicos com a comida diferente, por exemplo, da dos italianos ou dos portugueses? "Não acho que seja só um problema britânico, embora perceba o que quer dizer", responde Jamie ao P2. "Só posso dizer que as pessoas que conheci no programa gostavam de ter aprendido a cozinhar, mas nunca ninguém lhes deu a informação necessária, e por isso sentem-se perdidas. Não é culpa delas. Historicamente, há uma grande tradição britânica de cozinha caseira, mas isso foi-se perdendo nas duas últimas gerações".

Não é o caso dele. Jamie cresceu rodeado por comida, enquanto ajudava no pub dos pais, e aos 16 anos deixou a escola para estudar catering.
Foi trabalhar no restaurante Neal Street, de Antony Carluccio, mas só mais tarde, quando já tinha passado para o River Café, é que foi descoberto como potencial estrela de televisão.
Quem decidiu apostar nele não se enganou. Com The Naked Chef (1998) tornou-se um sucesso imediato e criou um estilo - ir ao mercado comprar ingredientes frescos e cozinhar para os amigos passou a ser cool.

O império Jamie

O estilo tornou-se uma marca - o seu site mostra bem como Jamie é hoje um império. Existe, por exemplo, uma Jme Shop, onde os fãs podem comprar ingredientes e acessórios de cozinha da linha Jme. E, claro, os livros: já se venderam 14 milhões em 54 países, entre os quais Portugal, onde sai este mês Jamie Oliver Regressa à Cozinha (a editora Civilização planeia editar o Ministry of Food, mas não este ano).

Mas o motor de tudo isto é a televisão.
Foi através dos programas que, em 2005, Jamie lançou a polémica dos menus escolares (que obrigou o Governo a investir na qualidade do que as crianças comem nas escolas); foi em directo na televisão que abriu o seu restaurante Fifteen, onde pôs a trabalhar quinze jovens desempregados, que passaram a ter uma carreira como chefs; e, finalmente, foi em frente às câmaras que ensinou à população de Rotherham - e da Grã-Bretanha - os princípios básicos da culinária.

Tudo isto no seu estilo terra-a-terra de rapaz do Essex que, quando era pequeno, no pub dos pais, já usava "uma faca mais comprida do que o braço", como contou uma vez. "Eu preparava os vegetais, limpava, tratava das casas de banho, servia bebidas. Nunca descansava aos sábados. O meu pai costumava dizer: 'As pessoas morrem na cama'".

Não se espere, por isso, que Jamie seja o chef sofisticado que vai ensinar às classes altas como um discreto toque de ervas aromáticas pode acrescentar um delicado aroma a um prato.
Não é isso que está em causa aqui. Jamie gosta de enfiar as mãos na massa, e de expressar ruidosamente as suas emoções - foi, aliás, criticado pela quantidade de vezes que disse fucking no Ministério da Comida, para manifestar a sua indignação.

É um estilo.
Há quem goste e quem não goste.
Ele explica: "Costumo dizer que sou como a Marmite (não tenho a certeza de que exista Marmite em Portugal, mas é um creme que se espalha nas sanduíches e que tem um gosto muito característico): as pessoas adoram-me ou odeiam-me. Mas tenho esperança que o número das que me adoram seja um pouco maior".

- "Chefs" de renome voltam à escola para incentivar uma alimentação saudável

in www.publico.pt

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