segunda-feira, 2 de março de 2009
MOONSPELL SEM MÁSCARA
MOONSPELL SEM MÁSCARA
Fernando Ribeiro, o Sr. Moonspell, responde a tudo aquilo que os leitores da BLITZ não tiveram vergonha de perguntar.
Inclui preferência clubística, novelas brasileiras, cozinha vegetariana e alguma música.
Fotos de Espanta Espíritos
Existe alguma banda fora do heavy-metal que tenha ajudado a moldar o som dos Moonspell?
Bruno_89
Uma de caras: os Fields of the Nephilim. Não são uma banda de heavy-metal, são uma banda do gótico atmosférico e ajudaram muito a moldar o som de Moonspell.
Os Type O Negative, que têm muito mais de punk e gótico do que de metal, e imensas outras referências indirectas, como música clássica e bandas-sonoras.
Nós nascemos numa altura em que a fusão de estilos era a melhor maneira de fazer alguma coisa com voz própria.
Tem noção que atormenta os sonhos de todos os miúdos que vêem o Noddy? MaryLou
Eu ainda não tenho filhos e não fazia a mínima ideia do que era o Noddy, nem nunca tinha ouvido aquela música na vida.
Vínhamos dos Estados Unidos e até estávamos a precisar de descomprimir, pois tinha sido uma digressão dura e intensa.
Fizemos aquilo sem sequer montar a bateria, comigo a gritar no meio da sala de ensaios e eles a tocarem guitarra.
Os miúdos que falaram comigo, e foi logo no dia a seguir porque moro ao pé de uma escola primária, disseram logo: «o senhor é que esteve ontem no Gato Fedorento? Gostámos muito!».
Também tive o filho do nosso teclista ao telefone, a imitar o Noddy com a minha voz… Hoje em dia os miúdos já não têm medo do Papão e sabem perfeitamente lidar com coisas muito mais extremas e violentas do que a nossa versão do Noddy.
Acho que não aterrorizo, pelo menos nesse sentido, as crianças (risos).
Se os Moonspell acabassem continuava dentro do metal ou era capaz de se virar para outro estilo?
Riot_Act
Tenho a noção que os Moonspell não irão durar para sempre.
Conoto o metal com uma certa juventude, depois tem uma fase de maturidade – mas não me vejo a ser o Ozzy Osbourne.
Se tivesse a vitalidade do Ronnie James Dio, se calhar consideraria ficar no metal. Mas acho que há um prazo, até de dignidade, que tem de ser cumprido. Por isso, sempre tentei ouvir coisas fora do metal, até porque acho que as pessoas não se devem limitar a escutar um estilo de música. Gosto muito de coisas tipo Scott Walker, Bonnie Prince Billy, Leonard Cohen, Nick Cave.
Seguiria uma das seguintes direcções: a do cantautor dark ou então das bandas da editora Cold Meat Industry, que é uma onda mais etérea mas também minimalista e experimental, de que gosto muito.
Qual a sua opinião sobre o hip-hop?
ZePedro CCL
A melhor opinião que posso dar é de que não gosto, não me identifico. Não tinha, em todo o caso, uma opinião tão negativa como [depois] da pequena polémica com aquela música do Sam The Kid, «Poetas do Karaoke».
Não tenho conhecimentos nem qualquer tipo de relação afectiva para poder apreciar, mas não gosto da superioridade moral que eles procuram demonstrar. O hip-hop será uma música em que as pessoas acreditam no que estão a dizer, é uma música de realidade, mais do que do sonho.
E às vezes vais ver a conduta deles, e há um desfasamento. Musicalmente não gosto e não embarco naquela cena do «eu não gosto mas vocês são bons». Não querendo pegar outra vez no Sam The Kid, que é só mais um artista numa comunidade que tem uma actividade bastante forte, ele tem uma letra que diz «não conheces o hip-hop». Eu poderia ser um dos sujeitos dessa letra, não fosse a letra tão agressiva ou irónica. Não percebo mesmo o hip-hop e, não percebendo, ser-me-ia difícil ter algum gosto nele.
Que estilos literários o influenciam na escrita das letras?
Bruno_89
Gosto muito daqueles romances que falam do poder do Homem em construir e destruir, em que se incluem livros tão diferentes como o Fausto do Goethe ou A Servidão Humana do Somerset Maugham.
A nível de poesia, gosto muito da poesia decadentista, como Baudelaire, e poesia simbolista. O meu poeta favorito, que está traduzido em português, é o Justo Jorge Padrón, um espanhol que consegue penetrar todos os estilos de que gosto. É a minha grande influência a escrever.
É supersticioso? Qual o seu amuleto da sorte? RASTA
Superstição pode ser entendida como credulidade e nesse aspecto é uma coisa que acho negativa.
Por outro lado, tenho algumas coisas de supersticioso: bato na madeira, talvez por influência familiar, e gosto de juntar as moedas de um cêntimo. Não as gasto, meto-as debaixo de coisas. Aliás, no nosso estúdio há imensas moedas de um cêntimo, talvez para não perder o encaixe financeiro (risos).
E gosto imenso dos símbolos, porque tenho consciência que foram criados pelo Homem para nos representar e são extremamente importantes, até nas nossas capacidades de comunicação e entendimento. São aquilo que é nosso mas, ao fim e ao cabo, também nos ultrapassa.
Aquele pedaço de tecto do Coliseu do Porto que aterrou mesmo a seu lado no festival Marés Negras, no Porto – gostava de tê-lo guardado como recordação?
Alfaiate
Hoje em dia, as pessoas esquecem-se da melhor forma de guardar recordações, que é a memória. Recriar momentos na tua memória é uma coisa que não pode ser ultrapassada pela colecta de objectos e gravações…
Num concerto não puxo de um telemóvel para gravar, porque tenho os meus olhos e as minhas faculdades cognitivas e as emoções: não estou ali para documentar, mas para viver uma coisa.
Nos Moonspell, guardo coisas um bocadinho fora do comum: penso que o pedaço de tecto – ou de estuque – seria uma recordação interessante, mas não me lembrei disso. Mas já guardei coisas que me mandam para o palco e ainda hoje tenho, para horror da minha namorada. Uma vez mandaram-me uma Santa Maria ou uma Santa Marta fluorescente. Achei fantástico! Deve ter sido uma pessoa católica – isto na altura do Sin, que era um álbum muito virado para esse imaginário.
Também tenho uma colecção de bandeiras que nos mandaram para o palco: do Brasil, do Chile, de Moscovo – que é a bandeira de São Jorge – , portuguesas mais que muitas.
Quais são os seus filmes de culto preferidos?
Bruno_89
Os meus dois filmes preferidos são O Homem Elefante do David Lynch e A Última Tentação de Cristo do Martin Scorsese. A estes adiciono o Requiem For A Dream do Darren Aronofsky, que vi nos Estados Unidos e não foi um soco no estômago, foi um pontapé! Depois o Fausto do Murnau, que é indescritivelmente belo, por ser tão antigo e tão épico, e O Exorcista do Friedkin, que foi dos filmes que mais me assustou e ainda me assusta muito.
O que acha do sociólogo polaco que vos acusou de satanismo?
Neverminded
É um fascista católico, foi isso que lhe chamámos no concerto em Varsóvia. Felizmente eles lá não estão tão avançados como nós ao nível das escutas (risos). Regra geral, para mim, o sociólogo é aquela pessoa que fala os lugares-comuns que qualquer pessoa que pense um bocadinho consegue ter, que tenta explicar por formas quadradas o que de vez em quando é curvo.
Estamos a falar de uma disciplina que está mais dentro do questionamento da fé cristã do que do outro lado, pelo que se se junta a sociologia a uma acusação de profanação de fé cristã, só posso considerá-lo mesmo burro. O concerto não foi cancelado porque estava praticamente cheio e porque as acções que ele desenvolveu foram tardias; vimos no YouTube uma reportagem que é de rir, com fotografias de monstros e quadros de arte flamenga, e depois aparece ele a segurar um patch com o logótipo de Moonspell, como se fosse um artefacto de magia negra. Vou à Polónia tocar desde 1995, praticamente todos os anos, e nestes últimos dois anos nota-se as pessoas mais tensas e muito envergonhadas do rumo que a Polónia está a levar, que é completamente ilógico. Foi dos países mais massacrados pela II Guerra Mundial e o ressurgimento da extrema-direita, dos valores conservadores e totalitários, é deveras assustador. Sentimos isso na rua – não é uma coisa dos jornais ou da televisão.
Com que artista faria um dueto?
Rasta
Já fiz com a Cristina [Scabbia] dos Lacuna Coil, ao vivo. Estávamos em digressão juntos e fizemos o «Heaven’s A Lie». Por acaso até desafinei um bocadinho: ela canta muito bem e eu canto pior, mas tenho mais força nos berros. Com quem faria: Diamanda Galás, Jarboe, Siouxsie. A nível de homens Leonard Cohen, e também ficaria muito giro a minha voz com a do Adolfo Luxúria Canibal. Já cantei com ele ao vivo e correu muito bem.
Blitz, Sexta, 30 de Novembro de 2007 às 10:49
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